Uma das principais estrelas do app, com 1,2 milhão de seguidores, é Markelly Oliveira, ex-bailarina do Faustão que passou a investir nas “mininovelas”
RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) – Principal concorrente do TikTok, o Kwai quer se consagrar como a rede social que mais representa o Brasil em sua diversidade. Com vídeos sem retoques ou muita preocupação com cenários e roteiros, o aplicativo, que está contratando influenciadores com salários de até US$ 700, quer, acima de tudo, fazer o brasileiro rir e se emocionar.
As piadas, que respondem pela maior parte do conteúdo publicado no app, lembram os esquetes de “A Praça É Nossa”, o humorístico do SBT que estreou há mais de 50 anos e pouco mudou desde então. São vídeos que viralizam principalmente entre os mais velhos, o principal público da rede, que tem 40% de seus usuários acima dos 30 anos.
“Cê mora onde?”, pergunta uma jovem, sentada com um rapaz na calçada, com o reboco da fachada por fazer. “Na minha casa”, ele responde. “Nossa”, ela rebate. “Nossa não. É minha, a casa”, ele conclui, enquanto a câmera se vira para outros rapazes que riem freneticamente antes de o vídeo se encerrar.
Quase tão bem-sucedidos quanto são os vídeos que carregam mensagens motivacionais e lições de moral, como se fossem “mininovelas”, nas palavras da diretora do Kwai no Brasil, Mariana Sensini. Ela diz que o conteúdo que mais faz sucesso no app é “o menos produzido, de origem mais simples”.
“Temos interesse em quem mora no sertão, quer contar sua rotina, suas piadas. O Brasil não é o centro de São Paulo ou do Rio. O Kwai é mais representativo de outras regiões. Embora a maior parte dos usuários viva no Sudeste, quem mais usa o app está no Nordeste.”
A percepção da diretora é a mesma da professora Fernanda Vicentini, da Escola Superior de Propaganda e Marketing, a ESPM, que trabalha com redes sociais. “Os usuários do Kwai têm um cotidiano muito simples. Você percebe até pela casa deles, pelo vocabulário que eles usam. São pessoas muito humildes”, diz. “A qualidade pode até parecer ruim, mas é muito rico culturalmente, porque representa um Brasil que às vezes o Sul e o Sudeste não conhecem.”
Uma das principais estrelas do app, com 1,2 milhão de seguidores, é Markelly Oliveira, ex-bailarina do Faustão que passou a investir nas “mininovelas”. Numa de suas publicações mais virais, com quase 6 milhões de visualizações, ela interpreta uma paciente que, na sala de espera de um hospital, reclama mentalmente do mau cheiro de um rapaz sentado no banco ao lado. A lição de moral não demora a vir. Assim que é chamada pela recepcionista, ela descobre que tem um câncer no coração e o malcheiroso é o único doador capaz de evitar sua morte.
Oliveira, que já acumulava centenas de milhares de seguidores no Instagram e no TikTok, foi convidada há cerca de três meses para produzir vídeos exclusivos para o Kwai. Como ela, há outras dezenas de influenciadores recrutados em massa por agências terceirizadas.
O app não revela seus planos de negócios, mas um influenciador afirmou, em condição de anonimato, que o acordo varia conforme o sucesso que o convidado já faz na concorrência. Quem já tem 100 mil seguidores recebe um salário mensal de US$ 100 a US$ 300, a depender de quantas visualizações seus vídeos alcançarem. Os valores aumentam progressivamente. A remuneração dos que têm 500 mil seguidores, por exemplo, chega a US$ 700, hoje equivalentes a cerca de R$ 3.700.
Para isso, no entanto, os criadores precisam seguir uma série de regras, como compartilhar ao menos um Stories no Instagram por semana, marcando o perfil do Kwai e convidando seus seguidores a conhecerem a rede concorrente, além de participar dos desafios propostos pelo app e publicar no mínimo dez vídeos por mês.
Os anônimos também faturam. Qualquer usuário pode ganhar até R$ 150 ao convidar amigos a criarem uma conta no app e garantir que, por dez dias, eles assistam ao menos três minutos de vídeos diariamente. É um sistema que o Kwai compartilha com o TikTok, mas com regras são mais fáceis.
Também compartilhado com o concorrente é seu país de origem, a China. O app, criado em 2011, veio para o Brasil em 2018 e ganhou força a partir de dezembro de 2020, quando montou um escritório no país, contratando inclusive profissionais do Facebook, do YouTube e de outras redes sociais.
Um relatório da ComsCore, multinacional especializada em análise de mercado, afirma que, em julho passado, o Kwai tinha 45,4 milhões de usuários no Brasil, que está entre os três países que mais usam o app fora da China. É um número superlativo, que representa nada menos do que um quinto da população brasileira, embora seja difícil traçar comparações, já que o TikTok não revela quantos usuários tem no país.
A penetração do aplicativo na região Nordeste ainda leva a empresa a adotar estratégias como investir em parcerias com cantores de forró como Os Barões da Pisadinha, já que é esta é a região que mais escuta o gênero. Ele ainda é o mais popular do aplicativo, lado a lado com o sertanejo.
Tendo isso em vista, as próximas parcerias do app serão com os principais nomes do pagode baiano, Molejo e É o Tchan, que lança no Kwai sua aposta para o Carnaval, “Encaixadinha”, dias antes de subir a faixa no Spotify e nos outros serviços de streaming de música. O grupo ainda vai promover entre os usuários um desafio para escolher qual será a coreografia do clipe, que terá a participação do vencedor.
As parcerias ainda se estendem ainda para áreas como esporte, outro dos principais pilares do app. A seleção brasileira, por exemplo, deve mostrar os bastidores da Copa do Mundo com exclusividade no app. São, segundo a diretora do Kwai, estratégias adotadas para que a longo prazo o app não dependa exclusivamente de seu atrativo sistema de remuneração, mas conquiste os brasileiros por ser “o puro suco de Brasil”, como diz o meme.